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domingo, 12 de julho de 2009

A MÃE DE SANTO

Estava em minha cidadezinha natal.
Meu aviãozinho da vida aterrisou meio que forçadamente na casa de minha mâe, obrigado pela turbulência de um longo período de desemprego inoportuno.
O Bodão é meu amigo de longa data.
É viúvo de uma linda professora minha que partiu prematuramente, lhe deixando um casal de filhos.
Estávamos numa lanchonete no centro, quando eu lhe queixei da vida.
Derrubado, sem emprego, sem perspectiva e bastante desanimado com tudo isso.
Ele me apascentou e disse que iria me levar num lugar onde havia uma pessoa que poderia me dar um rumo na vida, ou pelo menos uma orientação.
Numa manhã qualquer, lá fomos nós.
Depois de enfrentar uma fila enorme, fiquei cara a cara com a tal mulher.
Ela estava com um traje estranho, a boca retorcida, os olhos fechados.
Falava um português do tati-bitati bastante difícil de entender.
Fumava um cachimbo o tempo todo e dava goladas num líquido que pelo jeito que fazia, pensei a princípio ser água porque não tinha cheiro e, só depois, vim a saber que era pinga da boa.
Havia uma moça que funcionava como tradutora, explicando para os consulentes o que a entidade dizia.
Infelizmente, naquele dia, a moça teve um problema de família e precisou faltar e eu fiquei cara-a-cara com o ininteligível.
Mas deu pro gasto.
Até onde eu entendi, eu estava com mandinga e precisa fazer um descarrego com velas grandes, pólvora em uma boa encruzilhada.
Como não tinha dinheiro nem para o coletivo, nem dei bola ou mesmo sequer tomei nota da receita, apenas fingi memorizar.
Aí, a entidade colocou a mão na minha cabeça e fungou um bocado com o cachimbo na boca. Pegou um rosário de metal, tirou uma conta e me deu.
Disse que haveria um acidente com morte e que era para eu fazer um patuá com aquela conta e carregar no pescoço como proteção.
Mais uma vez a minha incredulidade me impediu de atender completamente o pedido do espírito.
Apenas coloquei na minha carteira, no bolso traseiro da calça e boa.
Bodão, meu amigo do peito, avisou:
"- Cuidado que essa mulher é fogo. Disse que a minha namorada ia ficar viúva na quinta feira e no sábado o marido dela embarcou. Morreu."
Meses depois, a situação mudou.
Já estava trabalhando, quando levantei um dia com uma enorme sensação de que haveria algo muito importante naquele dia.
Mas não sabia o que era, nem fazia idéia, tinha apenas a sensação.
Comentei isso ao chegar ao trabalho.
E o dia passou modorrento, sem nenhuma novidade.
Onze da noite, fim do fim do expediente, fomos para um boteco tomar umas, antes de ir para casa.
Peguei carona com o Ivanzinho, câmera-man e mais dois colegas.
Ele estava com a picape saveiro da noiva.
Entrei na cabine e os dois foram na carroceria.
Fomos ao bar, bebemos, comemos e por volta de meia noite e meia, resolvemos ir embora.
Mais uma vez, eu na cabine e os dois na caçamba.
Me levaram até em casa e seguiram caminho, já com os dois na cabine.
No dia seguinte, acordo com uma ligação da secretária do meu chefe que, numa habilidade desastrosa, me mandou ver na lata:
Pedro, vem para cá agora, porque o pessoal que estava com você ontem à noite sofreu um acidente, um dos meninos teve que retirar o baço e o outro quebrou a perna.
Agora, o Ivanzinho quebrou o pescoço e morreu na hora.
Se vc ficasse mais 5 minutos com eles, vc teria morrido também.
Depois de passado o choque, amainada a crise de choro, enfiei a mão no bolso de trás de minha calça, retirei a carteira e conferi:
A conta do rosário estava lá.